2º Domingo da Quaresma - Transfiguração

18/02/2013 18:01

 

2º Domingo da Quaresma/Ano C

 

Transfiguração

1ª Leitura: Gn 15,5-12.17-18
Salmo: 26
2ª Leitura: Fl 3,17-4,1
Evangelho: Lc 9,28b-36

Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar. 29 Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante. 30 Nisso, dois homens estavam conversando com Jesus: eram Moisés e Elias. 31 Apareceram na glória, e conversavam sobre o êxodo de Jesus, que iria acontecer em Jerusalém. 32 Pedro e os companheiros dormiam profundamente. Quando acordaram, viram a glória de Jesus, e os dois homens que estavam com ele. 33 E quando esses homens já iam se afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, é bom ficarmos aqui. Vamos fazer três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias.» Pedro não sabia o que estava dizendo. 34 Quando ainda estava falando, desceu uma nuvem, e os encobriu com sua sombra. Os discípulos ficaram com medo quando entraram na nuvem. 35 Mas, da nuvem saiu uma voz que dizia: «Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutem o que ele diz!» 36 Quando a voz falou, Jesus estava sozinho. Os discípulos ficaram calados, e nesses dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.


* 28-36: Lucas apresenta Jesus rezando continuamente (5,16; 6,12; 9,18). Com isso o evangelista mostra que Jesus, através de sua palavra e ação, está realizando a vontade do Pai. Na transfiguração aparece claramente esse sentido da oração (v. 35). E a vontade do Pai é que Jesus realize o êxodo (v. 31), isto é, que ele realize, mediante sua morte, ressurreição e ascensão, o ato supremo de libertação do povo, acabando com a opressão exercida pelo sistema implantado em Jerusalém.

Bíblia Sagrada – Edição Pastoral

 

Jesus transfigurado: perspectiva da vitória

O caminho de Jesus e a antecipação de seu termo em Jerusalém formam, dentro da teologia de Lc, o quadro de referência para a interpretação do evangelho de hoje. Um pouco antes de tomar resolutamente o caminho de Jerusalém (Lc 9,51), Jesus, ”em oração” (em Lc, Jesus é o modelo do orante), tem uma entrevista com Moisés e Elias, representantes da “Lei e dos Profetas”, precursores escatológicos (cf. Ml 3,22-24). Eles falam com ele sobre o “êxodo” que ele há de “cumprir” em Jerusalém (Jesus repete a história do povo: cf. dom. pass.). Este “êxodo” é a passagem para sua glorificação, como insinua 9,51 (“os dias de seu arrebatamento”). Jesus está para completar seu êxodo, o caminho que o Pai lhe planejou. O Pai está presente, na “nuvem” (como Deus no deserto). Com mais clareza do que nos sinais corriqueiros de Jesus, o Pai quer revelar aos discípulos que ele é seu Filho amado, a quem devemos obedecer, isto é, de quem nos devemos tomar discípulos e seguidores. No seu caminho para a glória, caminho que passa pela cruz (Jerusalém), Jesus é mostrado na forma “consumada”, gloriosa, para que os seus seguidores sejam confortados na fé e na confiança. 

Deus dá sinais para que acreditemos. Contudo, estes sinais não são a plena visão, pois, se fossem, já não precisaríamos acreditar. Assim fez Deus também com Abraão. Este tinha assumido sua caminhada na obediência da fé (Gn 12), mas não tinha descendência. Deus lhe jurou que lhe daria descendência, e Abraão acreditou, o que lhe foi imputado como justiça (15,6) (1a  leitura). O sinal da promessa é um sacrifício, mas o “trabalho” não é nada fácil: os urubus estão aparentemente mais interessados nas carnes recortadas do que Deus, e Abraão tem que esperar, cansado, o pôr-do-sol e a escuridão, para ver Deus passar como um fogo devorador entre os pedaços da vítima. Neste momento, Deus faz aliança com Abraão.

Aliança e promessa no caminho. Será necessário começar a caminhar, para ter esta experiência? O que transparece na glorificação de Cristo não é apenas a sua própria vitória em Jerusalém, mas o nosso destino final. Os apóstolos não entenderam isso; queriam construir no monte Tabor três tendas para permanecer com Jesus na sua glória. Ainda não sabiam que o caminho da ressurreição passava pela paixão (cf. Lc 24,46). E também não sabiam que eles mesmos deveriam seguir este caminho até o fim, para chegar à sua vitória e consumação na glória. “Nossa pátria está no céu”, responde Paulo àqueles que se fixam em questões materiais, cujo deus é sua barriga (2a leitura)! Nossa pátria está no céu: daí esperamos a nova vida de Cristo, para, com ele, sermos transfigurados na glória de seu corpo transformado. A linguagem de Paulo deixa transparecer uma polêmica com um conceito transviado da corporeidade. Não o corpo de nossa barriga ou vergonha, mas o corpo glorioso de Cristo, que com poder transforma o nosso: eis nosso destino, nossa honra.

Neste conjunto enquadra-se maravilhosamente o salmo responsorial: procurarei a face do Senhor (cf. canto da entrada). Porém, só o olho puro pode contemplar Deus (cf. Mt 5,8; 6,22-23). Que Deus purifique “nosso olhar espiritual”, para que possamos contemplar sua glória (oração do dia): este é nosso grande pedido no momento em que somos convidados para, no meio do caminho, contemplar a destinação gloriosa e retomar com renovado ânimo a caminhada.

Teilhard de Chardin, sacerdote e paleontólogo, pretendia dirigir nosso olhar para a plenificação do Universo em Cristo (cf. Cl 1,15-20). Os teólogos da práxis política nos despertam para as utopias socioeconômicas, para nos dar uma perspectiva de esperança e uma razão de fé. Tudo isso pode ser útil, assim como Deus quis dar um sinal a Abraão, e Jesus, uma intuição da glória a seus discípulos. Porém, não façamos disso aí nossas “três tendas”: são apenas visões para nos animar no caminho da fé que é esperança. 

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

 

Mudança radical que transparece em Cristo

Já chegamos à segunda etapa de nossa subida à festa pascal. A 1a leitura nos apresenta a fé com a qual Abraão recebe a promessa de Deus e assim é considerado justo por Deus. Mas o tema que retém nossa atenção está no evangelho de hoje: a visão da fé que descobre o brilho divino no rosto de Jesus.

No evangelho, Lucas nos conta como Jesus foi orar no monte, levando consigo Pedro, Tiago e João, e de repente ficou transfigurado diante dos seus olhos. Apareceu-lhes envolto de glória, acompanhado por Moisés (a Lei) e Elias (os Profetas). Falavam com ele sobre seu “êxodo” em Jerusalém, onde iria enfrentar a condenação e a morte. No momento em que despontava o conflito mortal, Deus mostrou aos discípulos a face invisível de Jesus, seu aspecto glorioso.

Na 2a leitura, Paulo anuncia que Cristo nos há de transfigurar conforme a sua existência gloriosa. Todos nós somos chamados a sermos filhos de Deus. Nosso destino verdadeiro é a glória que Deus nos quer dar. Ora, para chegar lá, devemos – como Jesus – iniciar nosso “êxodo”, nossa caminhada da fé e do amor fraterno, comprometido com a prática da transformação. Isso nos pode levar a galgar o Calvário, como aconteceu a Jesus. O caminho é árduo, e as nossas forças parecem insuficientes. Às vezes parece que não existe perspectiva de mudança. Uma sociedade mais justa e mais fraterna parece sempre mais inalcançável. Mas assim como os discípulos de Jesus, pela sua transfiguração no monte, puderam entrever a glória no fim da caminhada, assim sabemos nós que a caminhada da cruz é a caminhada da glória.

Antes de ser desfigurado no Gólgota, o verdadeiro rosto de Cristo foi transfigurado. Revelou, no monte Tabor, seu brilho divino. Para a fé, os rostos dos nossos irmãos latino-americanos, explorados e pisoteados, brilham como rostos de filhos de Deus. Apesar da desfiguração produzida pela miséria, desigualdade, exclusão, o brilho divino está aí.

Se nós precisamos realizar uma mudança política, econômica e cultural, a mudança radical é a que Deus opera quando torna filho seu aquele que nem figura humana tem. A consciência disto é que nos vai tornar mais irmãos e, daí, mais empenhados em criar uma sociedade digna da glória de Deus que habita em nossos irmãos excluídos. Na Campanha da Fraternidade descobriremos isso. Contemplando a glória de Cristo no rosto do irmão procuraremos caminhos para pôr fim à deformação que nossa sociedade imprimiu a esse rosto, não apenas pela opressão, como também por uma cultura da ilusão e da irresponsabilidade. Por isso, enfrentamos esta caminhada de modo bem concreto, assumindo o sofrimento dos nossos irmãos pisados e oprimidos, participando das lutas materiais, políticas, culturais, e comprovando assim a seriedade de nosso amor fraterno.

Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes

 

 

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